16 de agosto de 2021 Em Artigos

Pode haver mudança de salário se um funcionário for rebaixado de função?

A legislação trabalhista engloba uma série de princípios de proteção ao trabalhador, este que é considerado, via de regra, como o hipossuficiente (o mais frágil) na relação contratual.
A própria CLT, ao definir o conceito de empregador, dispõe como sendo aquele que assume os riscos da atividade, mas que detém o poder de mando, ou seja, dirige a prestação de serviço.
Assim, visando a limitação da arbitrariedade do empregador ao exercer este poder de mando, o legislador buscou equilibrar esta desigualdade ao estabelecer no art. 468 da CLT que: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”
A grande dificuldade na aplicação da lei está na subjetividade ao aplicá-la, uma vez que a leitura do dispositivo legal pode trazer diversas interpretações, considerando que a Constituição Federal antecede a interpretação de qualquer legislação infraconstitucional.
Sob esta análise interpretativa da norma, rebaixar um empregado de função em decorrência de extinção de cargos, por extinção de áreas, setores ou atividades específicas, por motivo de punição disciplinar ou qualquer outro motivo que afronta o dispositivo legal, não é admitido pela legislação trabalhista. Extrai-se, neste sentido, o entendimento de que qualquer alteração contratual prejudicial ao empregado é nula.
A interpretação da lei está no que se considera prejudicial ao empregado, pois tem-se, com assertividade, que não se trata apenas da questão pecuniária, mas também de outras questões que envolvem a relação de emprego.
Qualquer alteração contratual, conforme art. 468 da CLT, deve observar os seguintes requisitos:
a) mútuo consentimento (concordância) das partes;
b) que da alteração o empregado não sofra nenhum prejuízo, direta ou indiretamente, não só pecuniários, mas de qualquer natureza (como moral, de benefícios, jornada de trabalho, vantagens, saúde e segurança e entre outras) anteriormente garantidos.
Portanto, qualquer alteração em desconformidade com os requisitos acima, não produzirá qualquer efeito no contrato de trabalho.
Neste viés, o rebaixamento de função em razão de reestruturação de cargos e salários da empresa, ainda que seja mantida a sua remuneração, traz um prejuízo moral evidente ao empregado, não sendo admitido nem mesmo por mútuo consentimento.
Isto decorre do fato de o empregado, por exemplo, que exerce cargo de chefia e é rebaixado de função, ficar exposto a uma situação vexatória e humilhante perante seus colegas de trabalho, em especial de seus subordinados, os quais passarão a demonstrar indiferença para com o ex-chefe.
Assim, ainda que o empregador não tenha comprometido financeiramente o empregado ao rebaixá-lo, o prejuízo causado neste exemplo é moral, violando o inciso X do art. 5º da Constituição Federal, bem como o art. 927 do Código Civil, por ser um ato ilícito praticado pelo empregador.
Também causa prejuízo ao empregado o rebaixamento de função realizado como meio de punição por mau desempenho em razão de metas inatingíveis estabelecidas pela empresa. Neste caso, a empresa deve reavaliar quais os motivos deste mau desempenho (falta de treinamento, de equipamentos e ferramentas para desenvolver o trabalho) e se as metas estabelecidas estão condizentes com a situação real de mercado de trabalho.
Por outro lado, não se estará falando em rebaixamento quando o empregado é elevado a um cargo superior, e que sua permanência nesta nova função dependa de seu desempenho durante um período de experiência, devidamente acordado entre as partes, ou seja, a manutenção do cargo novo dependerá do desempenho do empregado de acordo com as expectativas da empresa.
Se isso não ocorrer, a empresa poderá remanejar o empregado para a função anterior ou equivalente, sem que isto caracterize a violação do dispositivo legal.
Outra condição que possibilita o remanejamento para função anterior é aquela em que o empregado é designado para exercer cargo de confiança, consoante o disposto no parágrafo 1º do art. 468 da CLT (alterado pela Lei 13.467/2017): “§ 1º – Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.”
De confiança há de ser toda função quando a pessoa que a exerce se substitui à do empregador para contratar em seu nome. Participa então o emprego da natureza do mandato, em que o elemento confiança lhe é atributo principal.
Há uma diferença no conceito apresentado no dispositivo supracitado em relação ao que foi abordado anteriormente, pois aqui não se está falando em rebaixamento e sim, em reversão de função.
Rebaixamento de função tem um caráter punitivo, prejudicial, seja financeiro ou moralmente falando. Já a reversão da função configura o retorno do empregado à função primitiva, uma vez que este estava investido de determinada função (de confiança) em caráter provisório, sem a intenção de punir e, portanto, válida, lícita.
Não obstante, aqui se apresenta a subjetividade na interpretação da lei, pois a função de confiança só se verifica analisando o caso concreto, onde o cargo em si pode até parecer de confiança, mas a função efetivamente exercida demonstra que o empregado não detinha o poder de mando.
Deve-se observar, neste caso, se a função exercida era ou não de confiança para só então estabelecer se houve prejuízo ao empregado no ato praticado pelo empregador de reverter ao cargo anteriormente ocupado.
Portanto, há que se observar no caso concreto se houve ou não o rebaixamento de função, mas uma vez configurado o ato, o empregado rebaixado de função (ainda que o nível salarial não tenha sofrido alteração) poderá pleitear judicialmente a indenização por danos morais pelo constrangimento pessoal e pela humilhação (em ver-se exonerado de cargo de nível superior), bem como pleitear eventual diferença salarial decorrente deste rebaixamento, caso o nível salarial não tenha sido mantido.
Consoante o que dispõe o art. 483 da CLT, o empregado prejudicado também poderá postular judicialmente a rescisão do contrato de trabalho, por conta da falta grave praticada pelo empregador.
Por outro lado, caso tenha ocorrido apenas uma reversão do cargo de confiança (nos termos do art. 468, § 1º da CLT), não se estará falando em rebaixamento de função ou prejuízos salariais ou morais.
Justificativas da empresa para dizer que um funcionário pode ser rebaixado de função
  • Uma situação justificável é, por exemplo, quando o cargo em questão é de confiança. Com a mudança da direção, os chefes diretamente envolvidos correm o risco de serem realocados na empresa, assumindo outras funções. E, dependendo da relação hierárquica que o cargo impõe, é uma justificativa geralmente aceita sem grande resistência.
  • Outra possibilidade é quando o funcionário está num período de experiência para determinado cargo: ele fica por três meses, recebe uma gratificação nesse período, mas corre o risco de voltar à função anterior se o desempenho não for considerado satisfatório.
Repita-se, mas em todos os casos em que um funcionário pode ser rebaixado de função, é preciso ter um consentimento mútuo, sempre. A decisão nunca pode ser unilateral.
Em que situações o rebaixamento não pode acontecer?
Há casos em que o rebaixamento pode ser contestado na Justiça, com ganho do trabalhador.
  1. Um exemplo é quando a mudança de função ocorre por causa da extinção de um determinado departamento, setor ou atividade específica. Nessa situação, o rebaixamento de cargo não é admitido, mesmo quando há mútuo consentimento.
  2. Outro cenário é quando o funcionário exerce um cargo de chefia e é rebaixado de função na mesma equipe, ficando exposto a uma situação considerada humilhante perante os colegas de trabalho, principalmente se forem seus subordinados. A posição de ex-chefe, entre eles, pode ser motivo de chacota e gerar dificuldade de inclusão entre os colegas;
  3. Quando o colaborador é obrigado a passar por uma mudança de função como uma punição por mau desempenho, por metas não atingidas estabelecidas pela empresa, o rebaixamento também não é permitido. Neste caso, a companhia precisa investigar os motivos desse desempenho insatisfatório, que pode ter sido causado por falta de treinamento, de ferramentas e equipamentos – que seriam falhas da própria empregadora. Há, ainda, casos em que as metas propostas não são condizentes com as exigências do mercado e isso não depende do empenho do funcionário.
Pode haver mudança de salário se um funcionário for rebaixado de função?
Essa é a grande questão: um funcionário pode ser rebaixado de função, mas não pode ter o salário diminuído. A mudança não pode trazer mais prejuízos para o colaborador, que já enfrenta perdas morais. Ele não pode ter alteração salarial, nem de benefícios como vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde.
Na CLT o artigo 468 deixa bem claro: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. ”
Pode até acontecer de um funcionário atender uma necessidade urgente da empresa e exercer temporariamente um cargo diferente do seu. É recorrente quando acontecem demissões inesperadas ou uma licença repentina de outro colaborador.
Às vezes leva um tempo para encontrar um substituto e, de forma pontual, um funcionário pode se encontrar nessa situação temporariamente. Mas se isso se repetir muitas vezes e se tornar contínuo, passa a ser ilegal. E se a empresa insistir, o funcionário poderá procurar um advogado e ir atrás dos seus direitos.
O colaborador não pode ser obrigado a exercer funções que vão além daquelas pelas quais foi contratado e que constam na sua carteira de trabalho. Mas pode acontecer a situação em que ele é colocado num cargo superior num período de experiência, em que sua permanência na nova função depende de seu desempenho nesse intervalo de tempo.
Se tudo estiver devidamente acordado entre as partes e for algo temporário, as leis trabalhistas não estão sendo desrespeitadas. Se a adaptação ao novo cargo não for satisfatória, a empresa poderá remanejar o empregado para a função que ele desempenhava anteriormente ou alguma atividade equivalente.
Rebaixamento de função pode ser visto como rescisão indireta de contrato.
Quando o empregador promove o funcionário, que passa a receber um salário maior e, depois de meses exercendo essa nova função, é obrigado a retornar às suas atividades anteriores, sem negociação, de forma impositiva e unilateral, isso pode ser considerado uma rescisão indireta do contrato de trabalho. É uma falta grave o suficiente, por parte da empresa, para impossibilitar a continuidade do vínculo empregatício e precisa ter punição.
Vamos pensar no exemplo de uma loja: a caixa recebe uma promoção e passa a exercer a função de patinador, com ganhos na remuneração. seis meses depois (ou seja, o período considerado de experiência já passou), ele tem uma discussão com o chefe e, para puni-lo, o superior rebaixa o colaborador à função anterior.
O funcionário pode interpretar essa atitude como uma rescisão indireta do contrato, já que o que havia sido combinado foi desrespeitado pela empresa, sem consentimento mútuo. Isso gera indenização e uma obrigação da empresa ao pagamento dos direitos trabalhistas referentes a esse tipo de dispensa.
Diante dos riscos acima pautados, sugerimos a rescisão do contrato e uma nova contratação na nova função, pois, os Tribunais vêm entendendo que não há qualquer impedimento legal na recontratação de empregado por salário menor, desde que respeitado o período de 90 dias (Portaria 384/92 do MTE), haja vista que se trata de um novo contrato de trabalho.
Eis alguns julgados sobre o tema:
“Vale mencionar que não há previsão legal que fundamente o pleito do autor, a não ser que houvesse prova de uma dispensa com recontratação fraudulenta, com o objetivo apenas de reduzir o salário do empregado, prova essa que não foi feita, até porque, entre um contrato e outro decorreu um lapso temporal de cerca de 9 (nove) meses”. (TRT-15 – RO: 00116038620175150081 0011603-86.2017.5.15.0081, Relator: LARISSA CAROTTA MARTINS DA SILVA SCARABELIM, 1ª Câmara, Data de Publicação: 06/06/2019)
“Portanto, a dispensa e recontratação foram regulares e entre elas houve lapso de tempo significativo de cinco meses, como o próprio autor afirmou, o que afasta a existência de fraude e o reconhecimento da unicidade contratual, salvo prova em contrário. Sendo assim, incumbia ao autor provar que houve fraude na sucessiva contratação, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, nos termos dos artigos 373, I, do CPC e 818, I, da CLT. E deste ônus não se desincumbiu, pois as testemunhas ouvidas nesse processo não afirmaram existir fraude naquela recontratação”. (TRT-15 – ROT: 00120767320165150092 0012076-73.2016.5.15.0092, Relator: RICARDO REGIS LARAIA, 10ª Câmara, Data de Publicação: 04/09/2020)

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